Certa vez, refletindo sobre a anatomia do pé, o fisiologista escocês, Sir Charles Bell, se perguntou “como um homem consegue manter a postura em pé contra o vento que sopra sobre ele?”.
Respondendo a si mesmo, ele explicou que “é evidente que o ser humano possui um sistema de informações que permite analisar estímulos e produzir uma ação muscular para se manter em equilíbrio”.
Uma parte muito importante desse sistema de informações são os captores podais, elementos do sistema tônico-postural situados em nossos pés. E como eles atuam?
Nossos pés captam os estímulos da superfície na qual se apoiam, levam essas informações para o Sistema Nervoso Central, que vai ativar nossos músculos posturais para que o corpo resista à força da gravidade e se equilibre.
Joseph Pilates entendia muito bem sobre o corpo humano, bem como sobre a anatomia do pé, e sabia que através de seu fortalecimento, poderia ajudar seus alunos a terem pés mais funcionais, um corpo mais alinhado e uma postura mais vertical.
Neste artigo, vamos entender como o pé pode influenciar no alinhamento do corpo e na postura, além de apresentar alguns exercícios que fortalecem e trabalham a musculatura do pé, te ajudando a ter um corpo funcional e bem posturado. Se você quer entender qual é de fato o papel do pé, acompanhe!
Alinhamento e postura: o que a anatomia do pé tem a ver com isso?
Os desvios posturais, em alguns casos, começam nos pés e vão gerando adaptações ascendentes, podendo influenciar até na posição da cabeça. Esses desvios possuem três possíveis origens:
- Origem congênita: pés cavos ou valgos, que são pés chatos e sem curvatura;
- Origem adquirida: má programação da marcha na infância (andadores), determinados tipos de calçados, entorses e outras lesões do pé ou tornozelo;
- Origem iatrogênica: palmilhas ortopédicas arcaicas e sapatos com suporte para o arco medial.
Existem diversos tipos de desvios na anatomia do pé, porém os mais comuns são o pé plano e o pé cavo.
Em relação ao pé plano, ocorre a fraqueza do arco medial, fazendo com que este perca a sua altura fisiológica, ficando plano e em alguns casos, desabado.
E quem tem o pé cavo, tem também o tálus varo, e ocorre uma queda da articulação talocalcânea lateral.
O pé plano pode desencadear uma série de desvios. Entre eles, podemos encontrar:
- Tíbia e fêmur em rotação interna;
- Ilíacos em anteversão;
- Horizontalização do sacro;
- Aumento da lordose lombar;
- Hipercifose torácica compensatória;
- Hiperlordose cervical.
Já o pé cavo tende a provocar desvios ascendentes contrários ao pé plano. Então podemos encontrar:
- Rotação externa da tíbia e do fêmur;
- Patelas mais lateralizadas;
- Retroversão dos ilíacos;
- Verticalização do sacro;
- Diminuição da lordose lombar.
O pé e o Power House
Joseph Pilates sistematizou um rico repertório de exercícios para fortalecer os pés em sincronia com o Power House, criando um pequeno equipamento chamado Foot Corrector, como o da imagem abaixo, para trabalhar tanto a estabilidade quanto a mobilidade dos pés e tornozelos.
A partir desse aparelho, foi possível desenvolver exercícios com a mesma finalidade nos outros equipamentos e no solo. A aplicação desse repertório gera uma conexão ascendente do pé com o Power House.
Quando entendemos a anatomia do pé, percebemos que ele possui muitos músculos, e de todos eles, três fazem conexões através das fáscias até chegar no assoalho pélvico. Esses são o tibial posterior, o flexor longo dos dedos e flexor longo do hálux.
O tibial posterior e o flexor longo dos dedos são originados na face posterior da tíbia, enquanto o flexor longo do hálux se origina na face posterior da fíbula. Mas todos se conectam com a fáscia do músculo poplíteo e com a cápsula do joelho.
A partir dessa conexão, esses músculos continuam essa ligação miofascial com os adutores magnos e mínimos, até chegar na fáscia do assoalho pélvico, que já faz parte do Power House.
Esse encadeamento não se encerra por aí. Além disso, ocorre também uma continuidade tecidual com a fáscia sacral, ligamento longitudinal anterior da coluna e psoas.
Sendo assim, através de exercícios específicos de Pilates para a anatomia do pé, conseguimos transmitir o tônus dos pés para a pelve e coluna, o que vai contribuir para a manutenção de uma postura mais verticalizada.
Isso não quer dizer que vamos transformar totalmente a postura de uma pessoa com grande cifose torácica fixada há longos anos. Mas, com certeza, haverá um ganho de espaço entre as articulações e maior liberdade de movimento.
3 exercícios para fortalecer a anatomia do pé
1. Flexão plantar e dos dedos
A partir do Pré-Pilates, podemos trabalhar a flexão e extensão plantar e dos dedos, puxando uma toalha para debaixo do pé.
2. Footwork no Reformer
Já no Reformer, temos a série Footwork, e embora se pense que ela tem como principal objetivo trabalhar as coxas, na verdade ela é composta originalmente de quatro exercícios com o foco no trabalho dos músculos e articulações do pé e tornozelo, trazendo tanto a mobilidade quanto a estabilidade que os pés precisam para a marcha e para a corrida.
3. Pumping One Leg
Depois que o aluno entende bem o funcionamento da anatomia do pé nessas séries básicas, podemos entrar com o trabalho em ortostase, utilizando a Step Chair.
Um exercício simples, mas muito eficaz, é o Pumping One Leg, em que inicialmente deve-se apoiar as mãos nos handles do equipamento, buscando um alinhamento vertical da postura e aproveitando o tônus que sai do pé em direção ao centro do corpo.
Uma vez que o aluno melhora a propriocepção, ou seja, a mobilidade e a estabilidade nos pés e nos tornozelos com os exercícios mais simples, podemos evoluir para exercícios de equilíbrio, o que é muito importante principalmente para o público idoso.
Conclusão
A anatomia do pé é a nossa base de apoio, uma verdadeira rastreadora das superfícies por onde andamos, identificando pequenas alterações de pressão com grande precisão.
O pé é capaz de captar estímulos que provocam efeitos indesejáveis e outros que trazem grandes benefícios.
O Método Pilates dispõe de técnicas e ferramentas poderosas para auxiliar o instrutor a promover tais benefícios na vida dos praticantes.
Referências Bibliográficas
Bricot, B. Posturologia clínica. São Paulo: CIES BRASIL. 2010;
Myers, TW. Trilhos anatômicos. 3. ed. Barueri, SP: Manole. 2016;
Calais-Germain, B. Anatomia para o movimento. Volume 1. São Paulo: Manole, 1991.