A obesidade infantil é uma das principais questões do século XXI. As legislações nacional e internacional não indicam expressamente a quem atribuir a responsabilidade sobre esse fator que pode configurar um grande problema para a saúde das crianças.
Então, como lidar com essa situação? Quais são as possíveis consequências para a saúde da criança? E, principalmente, como se dá a análise judicial desses casos? Continue lendo para saber mais sobre esse assunto!
*O Dr. Felipe Reis Couto Barros é Advogado do Miranda Lima Advogados
A obesidade infantil e suas consequências
Antes de tudo, é importante deixar claro que o sobrepeso, por si só, não é necessariamente um problema. Apesar disso, quadros acentuados de sobrepeso e de obesidade acarretam danos à saúde do indivíduo – o que é especialmente preocupante quando tratamos de quem está passando pelos primeiros anos de vida.
Dentre os efeitos da obesidade estão doenças nos ossos e articulações, diabetes, problemas cardíacos e até mesmo o câncer. Dados do Ministério da Saúde apontam que 12,9% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos são obesas.
A preocupação não é apenas nacional, mas mundial: a projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade poderá chegar a 75 milhões.
Os números são extremamente preocupantes. Por isso, a OMS lançou uma nova cartilha atualizada para o combate à obesidade infantil. Como podemos perceber, o assunto é preocupante e, é claro, merece nossa atenção. Então, o que podemos fazer sobre isso e, ainda, como lidar com essa questão de maneira multidisciplinar?
Uma nova questão sobre a obesidade infantil
O presente artigo não tem a intenção de esgotar as discussões sobre o tema – até porque sabemos que ele é complexo e merece análise constante. Você já viu, anteriormente, como prevenir a obesidade. Por isso, o que pretende-se aqui é trazer o Direito para a discussão, para que se analise o papel desta área em conjunto com a atuação profissionais de diversos ramos.
Isso porque o tema debatido não pode ser considerado apenas um problema alimentar. Diversos estudos interdisciplinares já demonstraram que a alimentação não é única causa da obesidade infantil; outros fatores como a atividade física pode ser relevante nesse contexto e em sua prevenção. Portanto, devemos analisar as origens da situação e buscar entender todo seu contexto.
Por isso, propõe-se uma visão diferente: uma resposta jurídica para a questão da responsabilização civil em uma eventual ação judicial que vise solucionar o problema e promover uma melhora na qualidade de vida do indivíduo com quadro de obesidade infantil.
A questão judicial da obesidade infantil
Primeiramente, é importante destacar que a discussão aqui apresentada não tem a intenção apenas de tratar sobre a responsabilização na esfera civil, mas também de trazer para debate os transtornos da criança e do adolescente.
A ocorrência da obesidade viola direitos considerados essenciais ao desenvolvimento sadio e à formação do indivíduo, causando problemas de saúde, sociais, psicológicos, entre outros. Nesse contexto, apesar dos problemas de saúde serem os mais graves, é importante salientar os fatores físicos e estéticos.
Estes dois aspectos podem afetar o desenvolvimento da criança, tendo influência em fatores como a não aceitação do seu corpo. Isso, quando associado a uma sociedade preconceituosa que discrimina todo aquele que não se encaixe (em atos como o bullying), pode causar problemas psicológicos sérios e duradouros.
O que há na Constituição sobre o assunto
De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma a cada três crianças está acima do peso ideal. Nossa carta maior, ao tratar da temática, preconiza em seu artigo 227 que:
‘’É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.’’
O Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a obesidade infantil
O Estatuto especializado na proteção das pessoas em desenvolvimento (ECA), por sua vez, em seu artigo 4ª trata sobre o dever das famílias, da sociedade em geral e do Estado em atender com absoluta prioridade os anseios e efetivação de diversos direitos da criança.
Estes devem ser seguidos para que seja fornecida a devida dignidade humana, aspecto tão importante que a fez ser consagrada como um dos fundamentos em nossa carta magna de 1988 em seu artigo 1ª, III. O artigo seguinte no estatuto de proteção das pessoas em desenvolvimento preconiza:
“Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (grifo nosso)
Na redação do artigo transcrito acima, principalmente em sua parte destacada, é notória a responsabilidade da família, da sociedade e da comunidade na manutenção da saúde da criança. Isso, é claro, inclui pontos como evitar os casos de obesidade infantil.
Ainda, percebe-se que essas instituições podem ser punidas, na forma da lei, sempre que negligenciarem direitos fundamentais das crianças e adolescentes, especialmente no que trata sobre o seus cuidados e sua responsabilidade. Ainda, é relevante destacar que a obesidade infantil é uma forma de negligência, omissão.
No pior dos cenários, ela pode ser vista como um forma de ação dos familiares contra a saúde dessas pessoas em desenvolvimento, causando um abalo em sua saúde. É por isso que a saúde, tão fortemente assegurada constitucionalmente como um direito social, é também um direito fundamental para a garantia da dignidade humana.
A saúde da criança como um direito social
Ao tratar sobre o direito social, entramos em uma linha tênue entre o direito à saúde e à alimentação, já que ambos são direitos constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, é importante destacar, também, a proteção internacional concedida a crianças, proclamada em 1959, chamada de Declaração dos Direitos da Criança.
Essa Declaração pontua, em 10 (dez) princípios, a fundamentação dos direitos básicos de toda criança, entre eles: liberdade, estudo, alimentação, educação e convívio social. Mais precisamente no princípio IV vem consagrado o direito aqui tratado:
Princípio IV – Direito à alimentação, moradia e assistência médica, adequadas para a criança e a mãe. A criança deve gozar dos benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e desenvolver-se em boa saúde; para essa finalidade deverão ser proporcionados, tanto a ela, quanto à sua mãe, cuidados especiais, incluindo-se a alimentação pré e pós-natal. A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados. (grifo nosso)
Aqui, fica cada vez mais claro o quanto é importante o interesse na proteção à criança e ao adolescente, pois são pessoas em situação de desenvolvimento. Resta, então, a clara intenção do legislador em proteger todos os seus direitos assegurados tanto no plano nacional quanto internacional.
Assim, temos que resta à família, à sociedade e à comunidade aderir a tal proteção especial, sob o risco de que tais crianças se tornem adultos com problemas sérios de saúde – o que, infelizmente, é cada vez mais frequente em nossa realidade.
Conclusão
Ao analisar o problema da obesidade infantil, é possível perceber que o maior responsável em efetivar a promoção da saúde das crianças são os seus responsáveis. Nesse contexto, é compreensível que os próprios respondam de forma objetiva em eventual ação proposta.
Assim, também é possível constatar que, dependendo do caso, as escolas teriam uma responsabilidade subsidiária em relação aos pais se prestarem um serviço deficitário de alimentação ou forem omissos quanto a vigilância de suas cantinas.
Essa é claramente uma questão delicada, que envolve diversos fatores. Mesmo assim, nossa Constituição Federal afirma que a ‘“sociedade em geral’’ deve efetivar a dignidade dessas pessoas em desenvolvimento. Por isso, pode-se interpretar, com isso, que é possível haver uma eventual condenação das escolas. Isso, é claro, caso seja provado que não ela não tomou o devido cuidado para com a criança e adolescente.
Por fim, temos que a responsabilização recairá majoritariamente nos pais ou responsáveis do indivíduo com quadro de obesidade infantil. As escolas, por vez, podem ser responsabilizadas de forma subsidiária e subjetiva, caso uma análise revele a falta de comprometimento com o dever de cuidar das crianças e adolescentes que estão, contratualmente, sob sua responsabilidade.
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