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Corriqueiramente houve-se falar que as crianças com oportunidades de brincarem livremente na rua adquirem melhor coordenação motora e que frequentemente, seriam crianças que habitam periferias de perímetros urbanos, muitas vezes estudantes de escolas públicas.

Antes de atestar qualquer afirmação, é preciso analisar as fontes dos discursos e os envolvidos no processo. Nesse caso, parece simples constatar empiricamente que quanto mais livre para explorar o ambiente externo, maior possibilidade de acúmulo de experiências motoras e portanto, estaríamos diante de uma criança com coordenação motora eficiente. De fato, isso procede e é possível de se constatar, no entanto, não pode ser levado como uma verdade absoluta, a ponto de suprimir exceções.

Sintetizo portanto afirmando que, é preciso analisar quais ambientes podem proporcionar um acúmulo de experiências motoras eficazes. A rua é sim um vasto e excelente ambiente, mas não é o único. As escolas, as academias, os clubes, o pátio de casa, e até mesmo o quarto da criança pode ser um rico espaço para experiências significativas com o movimento.

Dimensão sociocultural da coordenação motora da criança

Não é o ambiente físico um agente único para a determinação de excelente ou péssima coordenação motora, mas sim as relações sociais travadas no mesmo, ou seja, quem propõe a prática e como ela é desenvolvida. Assim é possível iniciar a compreensão da dimensão sociocultural da coordenação motora.

A criança tem rotina com a prática de atividade física? A criança tem oportunidade para a prática de atividade física? Refiro-me aqui a prática orientada por profissionais da área e também aquela vinculada ao brincar livre. Ambas são estritamente necessárias.

Dançar na sala de casa, pular corda no quarto, pular no colchão, um pega-pega no quintal de casa, são alguns exemplos de um brincar livre e quando combinadas com sessões orientadas em modalidades como: futebol, balé, jiu jitsu, circuito funcional entre outras, torna-se excelentes acervos para a construção de uma história positiva com o movimento humano ao longo da vida.

Basta portanto, que a cultura familiar esteja a favor dessa construção positiva e isso pode acontecer com crianças que moram em casa ou em apartamento, crianças de classe social média, baixa ou alta, crianças de escolas públicas ou privadas.

Sobre esses universos, em um estudo recente (De BOM et all,2017) sobre o nível de coordenação motora em crianças com faixa etária entre 05 e 06 anos de idade, estudantes de uma escola pública e privada, constatou níveis equivalentes de coordenação motora entre os grupos, estando ambos em sua maioria estado normal para a idade, o que atesta que nem mesmo o nível socioeconômico não pode ser determinante para as afirmações empíricas de melhor ou pior nível de coordenação motora.

Dimensões biológicas da coordenação motora

Adentrando um pouco para as dimensões biológicas, é preciso fazer uma breve análise da composição corporal em crianças de diferentes níveis socioeconômicos.

Índices de prevalência de sobrepeso e obesidade, são encontrados em ambos os níveis. A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO, 2016) estima que 15% das crianças brasileiras estão na faixa de sobrepeso e obesidade.

Precisamente na região Sul do país, das crianças entre 05 e 09 anos de idade 35,9% estão entre a faixa de sobrepeso e obesidade, e na mesma faixa encontram-se 24,6% das crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos de idade.

Vale ressaltar que os portadores do sobrepeso na infância podem ser os prováveis obesos nas fases futuras. Por esse motivo o controle do peso na infância é de extrema importância para a promoção de uma melhor qualidade de vida no presente e no futuro (ABESO, 2016).

Relação entre a obesidade e a coordenação motora

Mas, qual seria a relação entre a obesidade e a coordenação motora? Será que crianças obesas são menos habilidosas, mesmo “brincando na rua”?

Mais uma vez aponto a necessidade de extremo cuidado ao afirmar positivamente essas indagações. Ainda é preciso avançar muito na pesquisa quanto ao desenvolvimento motor em crianças. Seria muito simples afirmar que pelo fato de ter que suportar maior peso, a criança obesa movimenta-se com maior lentidão, e apresenta maior dificuldade de equilíbrio.

Mas, é preciso estar muito atento às exceções. Por exemplo, no estudo de De Bom et all (2017), a maior parte das crianças com sobrepeso, obesidade e obesidade grave apresentaram níveis de coordenação motora ineficientes, mas houve uma exceção, de uma criança com obesidade que isoladamente apresentou nível de coordenação motora boa.

Catenassi et all (2007) ao correlacionar o IMC (índice de massa corporal) com a coordenação motora conclui que não houve correlação entre as variáveis para todos os perfis antropométrico das crianças e ainda salienta que não há como classificar veementemente crianças obesas ou sobrepesadas como inabilidosas, mesmo que em outros estudos apresentem dados isolados que coloquem as crianças com esse perfil com certa dificuldade para atingir níveis de coordenação motora satisfatória.

Aponto nesse caso, a necessidade de maiores investigações quanto a análise dos padrões desses movimentos com população estritamente de crianças com sobrepeso e obesidade, fato esse que implica num recrutamento com rigores éticos muito bem fundamentados, afim de não expor essas crianças em situações comparativas vexatórias.

Contudo, a atenção rigorosa quanto ao estado nutricional das crianças continua sendo imprescindível, devido a associação da prevalência de obesidade com as síndromes metabólicas tais como a diabetes e a hipertensão, entre outras, ao longo da vida.

É justamente nesse ensejo que o nível de atividade física se apresenta como uma das ações de erradicação para todos os perfis antropométricos, ou seja, crianças, magras, eutróficas, sobrepesos, ou obesas, podem e devem estar submetidas a prática de exercícios físicos orientadas e/ou associadas ao brincar livre.

Dimensões socioculturais e biológicas da coordenação motora

Ao analisar a coordenação nas duas esferas, não há como seccionar as dimensões biológicas e sociais; a não ser especificamente para estudo; uma vez que o movimento humano é proveniente da associação entre os domínios físico, motor, cognitivo e social.

Assim, o ambiente externo sempre será um fator de análise minuciosa para a compreensão da tarefa motora no desenvolvimento infantil. Seja na escola, em casa, em escolinhas de treinamento desportivo, em academias ou na rua, a criança desempenhará a habilidade voltada para um objetivo de acordo com a influência do próprio ambiente, e dos agentes que mantêm relação durante a tarefa a ser realizada.

Dessa forma, para estabelecer um conceito de melhor ou pior coordenação motora sempre partirá de um ponto de referência comparativo, já que baterias e testes de coordenação motora em crianças são por vezes validados com populações de outras culturas, indicando pontos de cortes muitas vezes aquém do ponto de partida num viés social de outras crianças que são submetidas a tal bateria.

Mesmo assim, de forma alguma coloco em cheque a aplicabilidade de testes de coordenação motora em crianças, mas saliento a importância de analisar os dados nas dimensões biológicas e sociais, levando em consideração vários aspectos tais como: quem aplicou o teste, o ambiente de prática para saber se houve a presença de muitos ruídos ou não, interferindo na concentração, a explanação do teste às crianças e se as mesmas realizaram os testes individualmente ou em grupos. São pequenos detalhes que fazem muita diferença durante a análise dos dados.

Papel do profissional de educação física no desenvolvimento motor

Para os professores de Educação Física escolar, é imprescindível que tratem em seus planejamentos de discutir temáticas que estejam vinculadas a saúde na infância. Discutir não significa pensar no jargão “aula teórica”, bem longe disso. Refiro-me aqui a abertura para o diálogo com as crianças a partir de ações representativas que ultrapassem os muros da escola. Somente expor oralmente que fazer exercício físico é importante, que produtos industrializados fazem mal a saúde, pouco resolvem no cotidiano das famílias.

Os professores precisam trazer programas permanentes nas escolas com a participação das crianças, estabelecendo horizontes de criticidade e de aproximação das possibilidades que essas crianças possuem de compreender o que é saúde, a partir da sua realidade social.

Nesse sentido, de que adiantaria um planejamento ensino que possuísse apenas ações de exposições orais sobre alimentação saudável e prática de exercícios físicos para escolares em zona de vulnerabilidade social que não possuem condições mínimas de sobrevivência? São reflexões necessárias que tornam a temática do artigo uma peça do quebra-cabeça que inclui, entre outras peças, a concepção de infância que esse professor possui, o espaço escolar, a proposta política e pedagógica da escola.

Já aos profissionais de Educação Física, é preciso que conheçam as reais necessidades da infância e prescrevam treinamentos orientados a essas necessidades. Vale lembrar sempre da velha máxima “criança não é adulto em miniatura”, portanto, é preciso estudar muito bem as doses de volume e de intensidade de qualquer modalidade de prática de exercícios físicos.

Para os pais, é preciso que os pais estejam atentos à rotina dos filhos, tomando muito cuidado com os excessos nas duas pontas: a inatividade física e excesso de atividades para além da escola, que impeçam a criança de brincar livremente com o seu corpo. O equilíbrio é sempre bem-vindo. Há uma tendência de acumular tarefas na rotina diária da criança, e muitas vezes ela acaba adentrando em práticas de exercícios físicos das quais ela não aprecia, dificultando o engajamento e a aderência para a prática. Muitas vezes soma-se esse acúmulo ao pequeno espaço de tempo para a criança brincar livremente, já que toda a sua rotina está direcionada.

Importância da coordenação motora no desenvolvimento infantil

Mas, qual seria a real importância da coordenação motora para o desenvolvimento infantil?

Fazendo uma análise com prevalência biológica, responderia que, a coordenação motora é indispensável para que a criança consiga executar com eficácia uma gama de habilidades motoras necessárias à sua vida diária, tais como: correr, caminhar, chutar uma bola, abotoar uma calça, segurar uma xícara, pentear os cabelos, saltar uma poça, entre outras. Para que essas habilidades sejam realizadas é preciso coordenar o funcionamento em conjunto de vários músculos e articulações.

Partindo para uma resposta com prevalência para a dimensão sociocultural, diria que a coordenação motora é indispensável para a compreensão e o autoconhecimento que as possibilidades que o seu corpo possui na relação com o outro em diversos ambientes de vida. Essa relação é sempre construída com um corpo em movimento que possui a intenção de alguma tarefa à qual a criança na sua integridade de “ser criança” deseja realizar sozinha. Ela quer vencer o desafio.

Como saber se a criança possui coordenação motora?

Para determinar se uma criança possui ou não coordenação motora em nível ótimo é preciso analisar a sua progressão em uma linha de tempo, comparando inicialmente ela com ela mesmo.

Por exemplo, uma criança que inicia a prática de exercício físico e parte de uma avaliação de coordenação motora insuficiente e após dois meses de treinamento continua com a coordenação em nível insuficiente, mas com pontuações nos testes maiores que o anterior, e chegando mais próximo dos índices de uma coordenação motora satisfatória, está demonstrando ao professor, que progrediu, que seu esforço está sendo positivo em seu desempenho, e portanto naquele momento a coordenação motora está eficiente para as atividades cotidianas que ele se propôs, ao comparar a criança consigo mesma. Esse deve ser o primeiro olhar de um profissional ou professor de Educação Física.

Alerto ainda que, crianças enxergam a prática de exercício físico sempre como brincadeira, e brincadeira para a criança é tão séria quanto a função social do trabalho adulto.

Assim, se a criança ingressa à prática de exercícios físicos com um objetivo imposto extrinsecamente, ela perde o desejo de enfrentar os desafios e, portanto, sua concentração para a tarefa e colocada em cheque. Mais uma vez temos aqui uma análise da associação dos aspectos biológicos e sociais na coordenação motora.

Benefícios de uma boa coordenação motora

Torno a incitar a reflexão quanto aos benefícios de uma boa coordenação motora na infância, lembrando que nada tem a ver com a rigorosidade para a formação de atletas.

Essa seara já necessitaria de uma outra temática de discussão, a qual certamente o desenvolvimento da coordenação motora estaria em pauta, mas com outro viés, mas que não desvalida a análise minuciosa também da dimensão sociocultural.

Os benefícios que me refiro para o desenvolvimento de uma boa coordenação motora também não estão relacionados com a preocupação de corpos perfeitos e extremamente ágeis e habilidosos.

Olhar para qual direciono é pensar na saúde global da criança, ou seja, pensar sempre que as ações metodológicas desempenhadas pelo profissional ou professor de Educação Física, e até mesmo as ações educacionais dos pais e responsáveis estejam em prol do desenvolvimento motor infantil sim para a formação de um cidadão que conheça as possibilidades do seu corpo, que se sinta feliz em movimentar-se vencendo os desafios de acordo com o seu ambiente e a sua história de vida, e levando em consideração a sua individualidade biológica.

Conclusão

É preciso pensar sempre que as crianças precisam acumular experiências motoras positivas e significativas com o universo da Educação Física dentro e fora das escolas, e a partir disso, manter uma boa relação com a prática orientada de exercícios, associadas impreterivelmente com o brincar livre.

Além dos profissionais de Educação física, os demais profissionais da área da saúde devem orientar as famílias que essas práticas são indispensáveis para o seu desenvolvimento humano e precisam estar presentes na rotina das crianças. Dessa forma, a coordenação motora passa ser mais um componente na formação do humano.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA (ABESO). Mapa da obesidade. Disponível em: < http://www.abeso.org.br/atitude-saudavel/mapa-obesidade>. Acesso em: 22 de jan. 2016.

CATENASSI, F.Z.; MARQUES, I.; BASTOS, C.B.; BASSO, L.; RONQUE, E.R.V.;  GERAGE, A.M. Relação entre índice de massa corporal e habilidade motora grossa em crianças de quatro a seis anos. Rev Bras Med Esporte –  Vol. 13, Nº 4 – Jul/Ago, 2007.

DE BOM, F.C; DA GRAÇA, R.; DOS SANTOS, P.R.; ALVAREZ, B.R.; Nível de coordenação motora e índices antropométricos em escolares de duas escolas no município de Criciúma/SC. Biomotriz, v.11, n.3, p.80-94, dez./2017.

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